Foam of the Daze (2008)
MCO Arte Contemporânea, Porto.
Como estamos?, 2008. Óleo sobre tela, 67 x 89 cm. Colecção Fundação Ilídio Pinho. How are we?, 2008. Oil on canvas, 67 x 89 cm. Ilídio Pinho Foundation Collection. |
La Ritournelle, 2008. Óleo sobre tela, 63 x 84 cm. Colecção Privada. La Ritournelle, 2008. Oil on canvas, 63x84 cm. Private Collection. |
Eia cum carago!, 2008. Óleo sobre tela, 33 x 45 cm. Colecção Fundação PLMJ. Holy shit!, 2008. Oil on canvas. PLMJ Foundation Collection. |
Feliz Ano Novo, 2007. Carvão sobre papel, 57 x 76 cm. Colecção privada. Happy New Year, 2007. Charcoal on paper, 57 x 76 cm. Private Collection. |
PÚBLICO,
Ípsilon, Sexta-feira, 22 de Fevereiro 2008.
“Paixões alegres”
Por Óscar
Faria
A Espuma dos Dias
De Arlindo
Silva
Porto. MCO
Arte Contemporânea. R. Duque de Palmela, 141/143. Até 04/03/2008.
A pintura
de Arlindo Silva (Figueira da Foz, 1974)
propõe um novo realismo social centrado na ideia de comunidade. As suas
obras testemunham um tempo e uma época precisos: a cena artística do porto do
início do século XXI.
Contudo,
esse retrato é muito particular, pois é sobretudo elaborado a partir de
acontecimentos privados, onde festas, o álcool, as drogas produzem uma
metamorfose nos rostos, nos corpos, nas personalidades. É essa transformação
que é fixada na tela, numa tentativa de prolongar esse instante fixado por uma
máquina fotográfica. Existe ainda uma outra característica nos trabalhos deste autor, a sua afirmação
enquanto “memento mori”, essa lembrança da brevidade da vida, da mortalidade do
ser humano.
A
exposição agora proposta dá continuidade às pesquisas desenvolvidas pelo
artista na relação sempre tensa entre fotografia e pintura, pois embora todas
as obras tenham como origem o meio Mecânico, elas procuram acrescentar outras
dimensões ao retrato instantâneo. A primeira transformação diz respeito ao
tempo, que é dilatado pela própria passagem do tempo, que é dilatado pela
própria passagem do digital para a tela. Esta espécie de recuo permite criar as
condições para agarrar a aura de cada instante, de cada personagem,
resgatando-as assim da mortalidade imposta pela imagem original. Há, porém, uma
outra metamorfose nesse movimento: a de cada indivíduo num duplo de si próprio,
como se o ganhar de pele, traísse a sua condição — pictórica — de morto-vivo; e
a realidade ganhasse, nessa assunção da sua crueza, uma inquietante estranheza.
Na galeria
MCO, Arlindo Silva propõe três pinturas e dois desenhos a carvão — a mostra
ficaria a ganhar se apenas incluísse as telas. Nos trabalhos apresentados
reconhecem-se alguns protagonistas da cena artística do Porto, como Mafalda
Santos, Miguel Carneiro e Carla Filipe; dois auto-retratos completam a
exposição. São obras de pequenas dimensões, onde se regista a crescente
preocupação do artista com os detalhes — por exemplo, a parede do atelier em “Como
estamos?” (2008), na qual se observa a presença de algumas publicações
independentes editadas na cidade. As pequenas narrativas contadas pelo autor
jogam também com o estatuto de casa imagem, pois nem os títulos — “Eia cum
carago!” (2008), “Feliz Ano Novo” (2007), etc. — fornecem pistas acerca os
representados. É, acima de tudo, evidente a competência técnica na realização
de cada quadro. “La Ritournelle” (2008),
no qual se vê uma personagem, de pé, captado pela luz de um “flash”, com um
pano de fundo nocturno (um muro caiado, uma espreguiçadeira de piscina), é um
exemplo desse enigma que pode constituir uma pista, pois “1837 acerca do
ritornelo” é um dos capítulos de “Mil Platôs”, a obra maior de Gilles Deleuze e
Félix Guattari: “Forças do caos, forças terrestres, forças cósmicas: tudo isso
se afronta e decorre no ritornelo.”
Existe
ainda uma outra hipótese, uma música de Sebastien Tellier, do álbum “Politique”
(2005), cuja letra é uma declaração de amor: “I got that beat in my veins for only rule / love is to share, mine is
for you.” Atente-se novamente na imagem e nela reconhece-se Arlindo Silva
que, todo encharcado, procura desabotoar um punho da sua camisa branca, num dos
dedos da outra mão, distingue-se um anel. O instante irá repetir-se para
sempre. Trata-se este de um trabalho, como quase todos os realizados pelo
artista, feito de paixões alegres: “Enquanto não estamos dominados por
sentimentos contrários à nossa natureza, temos o poder de ordenar e de encadear
as afecções do corpo segundo uma ordem conforme ao entendimento”, notava
Espinosa na sua Ética.